Ha uns anos sonhei que toda a minha família se encontrava, por acaso, em frente ao Vasco-da-Gama, junto aquela escultura vermelha muito esquisita.
Começamos todos a rir e a abraçar-nos uns aos outros, ate que, a uns passos de distancia, vi o Tio Grande, acenei-lhe e chamei-o, para que se juntasse a nos, mas, a sorrir, ele fez-me sinal para ficar calada, e afastou-se, em direcção ao nevoeiro, sem que mais ninguém desse por ele.
terça-feira, 26 de outubro de 2010
Nunca se esqueçam do pin do telemovel!...
Num dos meus últimos dias de ferias sonhei que não consegui ligar o telemóvel: tinha-me esquecido do pin.
Por mais que tentasse, não conseguia lembrar-me.
Falhei duas tentativas, e antes da terceira, apareceu no ecrã do telemóvel um aviso que dizia que se eu falhasse novamente a Vodafone iria assumir que aquele telemóvel não era meu e eu o tinha roubado, pelo que ele desligar-se-ia automaticamente e enviariam helicópteros a minha procura, para me prender.
"bem..." pensei "O telemóvel e mesmo meu. De certeza que se falhar outra vez e eles enviarem helicópteros a minha procura, eu posso explicar--lhes o que aconteceu e eles ajudam-me a liga-lo".
Tentei outra vez, e falhei.
Durante três dias esperei que os tais helicópteros viessem, e, ao ver que não chegavam, dei comigo a pensar: "Isto 'ta muita mal feito! Então ando eu aqui sem telemóvel, só porque eles não mandam a porcaria dos helicópteros? Isto ta muita mal organizado!"
Por mais que tentasse, não conseguia lembrar-me.
Falhei duas tentativas, e antes da terceira, apareceu no ecrã do telemóvel um aviso que dizia que se eu falhasse novamente a Vodafone iria assumir que aquele telemóvel não era meu e eu o tinha roubado, pelo que ele desligar-se-ia automaticamente e enviariam helicópteros a minha procura, para me prender.
"bem..." pensei "O telemóvel e mesmo meu. De certeza que se falhar outra vez e eles enviarem helicópteros a minha procura, eu posso explicar--lhes o que aconteceu e eles ajudam-me a liga-lo".
Tentei outra vez, e falhei.
Durante três dias esperei que os tais helicópteros viessem, e, ao ver que não chegavam, dei comigo a pensar: "Isto 'ta muita mal feito! Então ando eu aqui sem telemóvel, só porque eles não mandam a porcaria dos helicópteros? Isto ta muita mal organizado!"
Detesto acordar antes da parte boa
Ha umas ou duas noites sonhei que (tal como realmente aconteceu no dia seguinte) apesar de ser fim-de-semana, a minha mãe trabalhava...
So que desta vez, obrigou-me a mim, ao meu irmão, ao nosso primo e ao nosso padrasto, a ir com ela, e la ficar ate ela poder sair também.
Mas era tão, tão, tão aborrecido...
A recepção do pavilhão atlântico ficara reduzida a uma salinha apertada e minúsculas cujas paredes estavam cobertas de uma pedra cor de areia, e onde não havia nada senão um elevador, um parede de vidro também com um porta de vidro por onde as pessoas deveriam entrar e um corredor com uma parede de espelho que conduzia a uma casa-de-banho.
Roguei a minha mãe que me deixasse e ao meu primo ir ate a Baixa, mas ela negou terminantemente e ele também não parecia muito interessado, sempre a perguntar-me o que havia la de interessante.
Acabei por perguntar se podia apanhar o metro e ir ao Vasco da Gama (porque agora o Pavilhão Atlântico ficava na estação da Baixa-Chiado) comer um "Choc & Chip" (um gelado delicioso que se compra na Ola).
Ela riu-se para mim e mostrou-me o papel de uma promoção (o papel realmente existiu, a promoção de que ela me falou, infelizmente não), que dizia que tínhamos ganho 258 euros para gastar apenas em gelados, pelo que podia comer os "Choc & chip" que quisesse.
Fiquei doida de alegria.
Antes de ir comprar o meu gelado, fui só ate ao corredor de espelhos tirar uma meia de senhora que estava a usar na cabeça como se fosse uma touca, para ir ate ao Vasco da Gama com um aspecto um pouco mais apresentável.
Ao fazê-lo, descobri que a minha mãe me tinha cortado o cabelo curto, com franja... Estava ondulado e giríssimo.
O sonho termina da pior maneira possível, já que acordei antes de comer o gelado, sem nenhum papelinho a falar daquela fantástica promoção e com o cabelo horrível.
So que desta vez, obrigou-me a mim, ao meu irmão, ao nosso primo e ao nosso padrasto, a ir com ela, e la ficar ate ela poder sair também.
Mas era tão, tão, tão aborrecido...
A recepção do pavilhão atlântico ficara reduzida a uma salinha apertada e minúsculas cujas paredes estavam cobertas de uma pedra cor de areia, e onde não havia nada senão um elevador, um parede de vidro também com um porta de vidro por onde as pessoas deveriam entrar e um corredor com uma parede de espelho que conduzia a uma casa-de-banho.
Roguei a minha mãe que me deixasse e ao meu primo ir ate a Baixa, mas ela negou terminantemente e ele também não parecia muito interessado, sempre a perguntar-me o que havia la de interessante.
Acabei por perguntar se podia apanhar o metro e ir ao Vasco da Gama (porque agora o Pavilhão Atlântico ficava na estação da Baixa-Chiado) comer um "Choc & Chip" (um gelado delicioso que se compra na Ola).
Ela riu-se para mim e mostrou-me o papel de uma promoção (o papel realmente existiu, a promoção de que ela me falou, infelizmente não), que dizia que tínhamos ganho 258 euros para gastar apenas em gelados, pelo que podia comer os "Choc & chip" que quisesse.
Fiquei doida de alegria.
Antes de ir comprar o meu gelado, fui só ate ao corredor de espelhos tirar uma meia de senhora que estava a usar na cabeça como se fosse uma touca, para ir ate ao Vasco da Gama com um aspecto um pouco mais apresentável.
Ao fazê-lo, descobri que a minha mãe me tinha cortado o cabelo curto, com franja... Estava ondulado e giríssimo.
O sonho termina da pior maneira possível, já que acordei antes de comer o gelado, sem nenhum papelinho a falar daquela fantástica promoção e com o cabelo horrível.
Entre os mortos
Esta noite tive um sonho fascinante: estava morta. Nao sei o que me matou, mas sei que era um fantasma: apesar de o meu corpo me parecer tao solido como sempre, nenhum vivo me via.
Lembro-me de estar no predio onde moram os meus avós, mas nao tinha sido la que tinha morrido, e, apesar de saber que tinha de fazer algo la, nao sei o que era.
Acho que vi escrito algures, ou disse-me uma voz, que quando fizesse o que tinha a fazer espiritos demoniacos seriam libertados e perseguir-me-iam, arrastando-me consigo para um lugar terrivel.
Mas tinha de o fazer. Depois, fugiria o mais rapidamente possível, pronto, tinha de ser.
Fi-lo. Estava em frente a uma porta "A", não sei em que andar, e os corredores estavam todos iluminados (na realidade, as luzes estao sempre apagadas, e so se acendem quando alguem pressiona um dos interroptores brilhantes). La fora, era noite.
Olhei a minha volta, sentindo a minha respiraçao ofegante entre os labios entreabertos.
Entao vi, no topo de um lance de escadas, mesmo ao pe da porta, surgir uma criatura medonha, como uma sombra, ou uma mancha, algo feito de carne mas sem ossos por dentro, que constantemente mudava de forma e grunhia ao aproximar-se de mim.
Voltei-lhe as costas e corri o mais depressa que podia. Ao atravessar o longo corredor do predio, cruzei-me com outros monstros, todos diferentes uns dos outros, mas sempre assustadores. Contornei-os, evitei-os com saltos ageis, e, quando cheguei ao fim do corredor, vi uma senhora viva a espreitar pela porta da sua casa, num cantinho ao lado das escadas (existem, neste predio, duas escadas, uma em cada extremo do corredor). Ela acenou-me e, com os olhos muitos arregalados, como se percebesse a minha aflição, dizia-me:
-Anda, anda! Podes fugir por aqui!
Corri pela casa dela adentro, ela fechou a porta atras de si e passou por mim cheia de pressa. Abriu uma janela e apontou la para fora:
-Va! Vai-te embora!
Percebi que ela nao queria que aquelas coisas horríveis entrassem em sua casa e compreendia perfeitamente. Obedeci, correndo em direcção a janela e saltando para o exterior.
Mais tarde, daria comigo a perguntar-me porque me vira a senhora, talvez fosse uma medium, ou assim.
Não me lembro como nem porque, mas sei que depois de percorrer um caminho qualquer, estava em casa dos meus avós, no segundo andar (tinha descido uns quantos andares, de certeza).
A minha avo e o meu avo estavam sentados nas respectivas poltronas, em silencio, a avo de camisa de noite de alças a olhar para a telivisaozinha pequena diante dela numa mesinha de pau preto e o avo a dormir, ainda vestido com uma camisa de mangas curtas metidas por umas calças de pano cinzento a dentro, com o queixo caído sobre o peito e uma expressão seria.
Nenhum deles me viu.
Da varanda coberta, olhei para a porta da casa: aquelas coisas estava la fora, a minha procura. O melhor era ir-me embora. Mas como? Se saísse pela porta, de certeza que me apanhavam.
A minha única hipótese era saltar da varanda.
Cheia de medo, aproximei-me de uma das janelas, que estava aberta, e subi para as calhas metálicas, a olhar la para baixo, para o terraço deserto, iluminado a um canto por um café silencioso.
Ao longe, via-se Tróia, a Figueirinha, e barcos cujas janelas iluminadas se reflectiam nas aguas do Sado. O ar estava quente, e sentia-se as vezes um vento fresco que arrepiava.
Soube que se ficasse demasiado tempo a pensar que tinha de saltar, nunca o conseguira fazer, pelo que, a tremer, sentei-me na janelas com as pernas caídas para o lado de fora e, muito lentamente, apoiando-me nos braços, levantei o rabo das calhas e senti o corpo todo suspenso no ar, seguro apenas pelas palmas das mãos que continuavam agarradas as janelas.
"Agora ja esta" pensei, enquanto fechava os olhos.
Saltei, e, passado um instante, quase nada, aterrei suavemente no terraço, fazendo apenas um pouco de barulho.
Por uma fracção de segundo fiquei feliz com esta minha vitoria, mas logo depois lembrei-me da porta do prédio mesmo atrás de mim, ladeada por duas compridas janelas, através das quais os meus perseguidores me poderiam ver.
Corri o mais depressa que pude, espreitando um instante por cima do ombro ao sair do terraço.
Os meus pés eram levíssimos, parecia que nem tocavam no chão, mas que flutuavam pouco acima deste. Não tenho a certeza se estava de ténis ao descalça.
Percorri toda a rua do Moinho do Frade, pelo lado esquerdo: lembro-me bem dos carros estacionados ao meu lado e do chão de calçada debaixo de mim.
Depois, algures, virei a esquerda, para onde deveria estar um terreno em muito mas condições, onde há anos atrás, estiveram as ruínas do moinho que dera o nome a rua.
Curiosamente, esse terreno dava para um rua estreita de prédios baixos que conduzia a um lugar muito semelhante ao bairro alto, cheio de bares, de gente e um pouco inclinado, só que as fachadas dos prédios e das casas eram brancas. Tenho ideia que, aqui e ali, havia lanternas chinesas rectangulares pequeninas e coloridas (lembro-me vagamente de ver uma verde-anis e outra fushia) penduradas na fachada de um prédio e do outro que estava em frente.
Vagueei entre os vivos por aquelas ruas, ate me deparar com duas amigas: a Catarina e a Inês. Ambas me viram: estavam mortas!
As três ficamos muitos felizes por nos encontrarmos: já que não podíamos falar com os vivos, e conhecíamos muitos poucos mortos, era uma grande sorte termos morrido todas.
Mas confessei-lhes que tinha muitas saudades da minha família, e gostava de lhes poder dizer algumas coisas...
-Quanto tempo e que isto vai durar?... - suspirei.
-Oh! - fez a Inês, encolhendo os ombros - Tanto tempo quanto uma vida.
-Ou seja?... - insisti, porque estava pouco satisfeita com a resposta.
-94 anos. - disse-me ela.
Ainda era muito tempo de solidão, mas era bom saber que depois disso ia poder morrer finalmente, morrer a serio, e não ter saudades de mais ninguém.
Eu e as minhas amigas ainda ficamos algum tempo juntas, a passear por ali, acho que tentamos beber um copinho ou outro só que não conseguíamos tocar em nenhum objecto (pergunto-me porque teríamos nos roupas).
Mas acabei por me despedir delas, tinha de ir ao encontro da minha família, na Venda-do-Pinheiro, nem que fosse so para ver como eles estavam.
A Catarina e a Ines, por sua vez, ficaram naquele estranho e alegre lugar, cheio de vivos, entre os quais os mortos podiam festejar também, sem que se distinguissem muito bem uns dos outros.
Percorri a pé a ponte 25 de Abril, e passei pelos Olivais (lembro-me de ter escorregado ou caído e estar a rebolar na relva, junto a estátua de um bombeiro. Vi passar, não muito longe, um autocarro amarelo). Podia passar entre os carros sem me preocupar, não tinha fome nem frio; nem pressa. Alias, enquanto andava, pensei com um certo alivio: "Agora, tenho todo o tempo do mundo...".
Quando cheguei a Venda do Pinheiro, fui ate um pequeno escritório que nunca vi na vida, em que três das quatro paredes eram só janelas, tapadas com com varias cortinas amarelas.
A minha mãe e o meu tio estavam la: agora geriam um negocio qualquer importante. O tio estava de pé atrás de uma secretaria, e a minha mãe estava mesmo ao meu lado, junto a uma porta, atrás de uma secretária e de pé também.
Foi o meu tio que lhe disse que eu estava la, ou que tinha a impressão que eu estava la, sem sequer me ver. A minha mãe ficou imóvel, com os olhos arregalados, como se não acreditasse.
Pequei no telemóvel (não faço a menor ideia como era possível eu continuar a poder mexer no telemóvel. Parecia que tinha morrido comigo... algo me diz que já somos demasiado inseparáveis.) para lhe mandar uma mensagem a dizer "Estou mesmo a tua frente". Mas, antes de o fazer, ela disse, e olhar vagamente para o espaço em frente dela, onde eu estava sem que ela me conseguisse ver:
-"Estou mesmo a tua frente".
Fechei o telemóvel com um suspiro: não precisava de mandar mensagem nenhuma, ela conhecia-me e sabia onde eu estava. Abraçamo-nos, e lembro-me de a sentir e a poder apertar nos braços.
Decidi voltar para o meu quarto. Certamente não se teriam desfeito da mobília... Talvez estivesse tudo como antes. Talvez eu pudesse continuar a viver com eles, mesmo que não me vissem, nem ouvissem...
A minha mãe sabia que eu estava la. De certeza que ela não os deixaria livrarem-se das minhas coisas.
Lembro-me de estar no predio onde moram os meus avós, mas nao tinha sido la que tinha morrido, e, apesar de saber que tinha de fazer algo la, nao sei o que era.
Acho que vi escrito algures, ou disse-me uma voz, que quando fizesse o que tinha a fazer espiritos demoniacos seriam libertados e perseguir-me-iam, arrastando-me consigo para um lugar terrivel.
Mas tinha de o fazer. Depois, fugiria o mais rapidamente possível, pronto, tinha de ser.
Fi-lo. Estava em frente a uma porta "A", não sei em que andar, e os corredores estavam todos iluminados (na realidade, as luzes estao sempre apagadas, e so se acendem quando alguem pressiona um dos interroptores brilhantes). La fora, era noite.
Olhei a minha volta, sentindo a minha respiraçao ofegante entre os labios entreabertos.
Entao vi, no topo de um lance de escadas, mesmo ao pe da porta, surgir uma criatura medonha, como uma sombra, ou uma mancha, algo feito de carne mas sem ossos por dentro, que constantemente mudava de forma e grunhia ao aproximar-se de mim.
Voltei-lhe as costas e corri o mais depressa que podia. Ao atravessar o longo corredor do predio, cruzei-me com outros monstros, todos diferentes uns dos outros, mas sempre assustadores. Contornei-os, evitei-os com saltos ageis, e, quando cheguei ao fim do corredor, vi uma senhora viva a espreitar pela porta da sua casa, num cantinho ao lado das escadas (existem, neste predio, duas escadas, uma em cada extremo do corredor). Ela acenou-me e, com os olhos muitos arregalados, como se percebesse a minha aflição, dizia-me:
-Anda, anda! Podes fugir por aqui!
Corri pela casa dela adentro, ela fechou a porta atras de si e passou por mim cheia de pressa. Abriu uma janela e apontou la para fora:
-Va! Vai-te embora!
Percebi que ela nao queria que aquelas coisas horríveis entrassem em sua casa e compreendia perfeitamente. Obedeci, correndo em direcção a janela e saltando para o exterior.
Mais tarde, daria comigo a perguntar-me porque me vira a senhora, talvez fosse uma medium, ou assim.
Não me lembro como nem porque, mas sei que depois de percorrer um caminho qualquer, estava em casa dos meus avós, no segundo andar (tinha descido uns quantos andares, de certeza).
A minha avo e o meu avo estavam sentados nas respectivas poltronas, em silencio, a avo de camisa de noite de alças a olhar para a telivisaozinha pequena diante dela numa mesinha de pau preto e o avo a dormir, ainda vestido com uma camisa de mangas curtas metidas por umas calças de pano cinzento a dentro, com o queixo caído sobre o peito e uma expressão seria.
Nenhum deles me viu.
Da varanda coberta, olhei para a porta da casa: aquelas coisas estava la fora, a minha procura. O melhor era ir-me embora. Mas como? Se saísse pela porta, de certeza que me apanhavam.
A minha única hipótese era saltar da varanda.
Cheia de medo, aproximei-me de uma das janelas, que estava aberta, e subi para as calhas metálicas, a olhar la para baixo, para o terraço deserto, iluminado a um canto por um café silencioso.
Ao longe, via-se Tróia, a Figueirinha, e barcos cujas janelas iluminadas se reflectiam nas aguas do Sado. O ar estava quente, e sentia-se as vezes um vento fresco que arrepiava.
Soube que se ficasse demasiado tempo a pensar que tinha de saltar, nunca o conseguira fazer, pelo que, a tremer, sentei-me na janelas com as pernas caídas para o lado de fora e, muito lentamente, apoiando-me nos braços, levantei o rabo das calhas e senti o corpo todo suspenso no ar, seguro apenas pelas palmas das mãos que continuavam agarradas as janelas.
"Agora ja esta" pensei, enquanto fechava os olhos.
Saltei, e, passado um instante, quase nada, aterrei suavemente no terraço, fazendo apenas um pouco de barulho.
Por uma fracção de segundo fiquei feliz com esta minha vitoria, mas logo depois lembrei-me da porta do prédio mesmo atrás de mim, ladeada por duas compridas janelas, através das quais os meus perseguidores me poderiam ver.
Corri o mais depressa que pude, espreitando um instante por cima do ombro ao sair do terraço.
Os meus pés eram levíssimos, parecia que nem tocavam no chão, mas que flutuavam pouco acima deste. Não tenho a certeza se estava de ténis ao descalça.
Percorri toda a rua do Moinho do Frade, pelo lado esquerdo: lembro-me bem dos carros estacionados ao meu lado e do chão de calçada debaixo de mim.
Depois, algures, virei a esquerda, para onde deveria estar um terreno em muito mas condições, onde há anos atrás, estiveram as ruínas do moinho que dera o nome a rua.
Curiosamente, esse terreno dava para um rua estreita de prédios baixos que conduzia a um lugar muito semelhante ao bairro alto, cheio de bares, de gente e um pouco inclinado, só que as fachadas dos prédios e das casas eram brancas. Tenho ideia que, aqui e ali, havia lanternas chinesas rectangulares pequeninas e coloridas (lembro-me vagamente de ver uma verde-anis e outra fushia) penduradas na fachada de um prédio e do outro que estava em frente.
Vagueei entre os vivos por aquelas ruas, ate me deparar com duas amigas: a Catarina e a Inês. Ambas me viram: estavam mortas!
As três ficamos muitos felizes por nos encontrarmos: já que não podíamos falar com os vivos, e conhecíamos muitos poucos mortos, era uma grande sorte termos morrido todas.
Mas confessei-lhes que tinha muitas saudades da minha família, e gostava de lhes poder dizer algumas coisas...
-Quanto tempo e que isto vai durar?... - suspirei.
-Oh! - fez a Inês, encolhendo os ombros - Tanto tempo quanto uma vida.
-Ou seja?... - insisti, porque estava pouco satisfeita com a resposta.
-94 anos. - disse-me ela.
Ainda era muito tempo de solidão, mas era bom saber que depois disso ia poder morrer finalmente, morrer a serio, e não ter saudades de mais ninguém.
Eu e as minhas amigas ainda ficamos algum tempo juntas, a passear por ali, acho que tentamos beber um copinho ou outro só que não conseguíamos tocar em nenhum objecto (pergunto-me porque teríamos nos roupas).
Mas acabei por me despedir delas, tinha de ir ao encontro da minha família, na Venda-do-Pinheiro, nem que fosse so para ver como eles estavam.
A Catarina e a Ines, por sua vez, ficaram naquele estranho e alegre lugar, cheio de vivos, entre os quais os mortos podiam festejar também, sem que se distinguissem muito bem uns dos outros.
Percorri a pé a ponte 25 de Abril, e passei pelos Olivais (lembro-me de ter escorregado ou caído e estar a rebolar na relva, junto a estátua de um bombeiro. Vi passar, não muito longe, um autocarro amarelo). Podia passar entre os carros sem me preocupar, não tinha fome nem frio; nem pressa. Alias, enquanto andava, pensei com um certo alivio: "Agora, tenho todo o tempo do mundo...".
Quando cheguei a Venda do Pinheiro, fui ate um pequeno escritório que nunca vi na vida, em que três das quatro paredes eram só janelas, tapadas com com varias cortinas amarelas.
A minha mãe e o meu tio estavam la: agora geriam um negocio qualquer importante. O tio estava de pé atrás de uma secretaria, e a minha mãe estava mesmo ao meu lado, junto a uma porta, atrás de uma secretária e de pé também.
Foi o meu tio que lhe disse que eu estava la, ou que tinha a impressão que eu estava la, sem sequer me ver. A minha mãe ficou imóvel, com os olhos arregalados, como se não acreditasse.
Pequei no telemóvel (não faço a menor ideia como era possível eu continuar a poder mexer no telemóvel. Parecia que tinha morrido comigo... algo me diz que já somos demasiado inseparáveis.) para lhe mandar uma mensagem a dizer "Estou mesmo a tua frente". Mas, antes de o fazer, ela disse, e olhar vagamente para o espaço em frente dela, onde eu estava sem que ela me conseguisse ver:
-"Estou mesmo a tua frente".
Fechei o telemóvel com um suspiro: não precisava de mandar mensagem nenhuma, ela conhecia-me e sabia onde eu estava. Abraçamo-nos, e lembro-me de a sentir e a poder apertar nos braços.
Decidi voltar para o meu quarto. Certamente não se teriam desfeito da mobília... Talvez estivesse tudo como antes. Talvez eu pudesse continuar a viver com eles, mesmo que não me vissem, nem ouvissem...
A minha mãe sabia que eu estava la. De certeza que ela não os deixaria livrarem-se das minhas coisas.
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