sábado, 9 de abril de 2011

Esta noite, sonhei que ao sair do meu quarto ao entardecer, começava a falar com a minha família sobre a possibilidade de passar um semestre na Bélgica a estudar, até que de repente o meu professor de animação começou a subir as escadas. Não faço a menor ideia de como encontrou a minha casa.
-O-olá Zepe. - cumprimentei-o, um pouco atrapalhada pela surpresa.
-Hã? Ah! - fez ele, depois de um instante a olhar para mim, como se não me tivesse reconhecido logo - Olá, olá.
Dito isto, passou pelo Tomás, a Mãe e o Bé sem dizer nada e foi sentar-se à frente do nosso computador a trabalhar. Tinha tido alguma vontade de lhe dizer que estivesse à vontade, mas era evidente que não era preciso.
A minha família ficou a olhar para ele algum tempo, talvez à espera que ele os cumprimentasse ou então que lhes explicasse o que estava ali a fazer. Depois, deixaram de lhe prestar atenção e voltaram a fazer o que sempre fazem: o Tomás alojou-se na "sua" poltrona com o computador portátil ao colo, o Bé recostou-se no sofá para ver mais confortavelmente futebol, e a minha mãe desceu as escadas em direcção à cozinha, murmurando que tinha de preparar alguma coisa para os convidados. "Convidados?" pensei "Não sabia que vinha alguém cá a casa...". Segui-a, esperançosa de lamber as pás cobertas de chocolate da batedeira caso ela preparasse um bolo, ou então de roubar um pedaço de cebola, alho ou pimento, coisas que apesar de a maioria das pessoas não considerar nada apetecível, são autênticas iguarias para mim.
Mas a Mãe não cozinhou nada que me interessasse. Fiquei um bocadinho em silêncio ao pé dela, até que uma senhora entrou em nossa casa. Vinha com um cigarro na mão e parecia ter algo muito importante de que falar. Não tenho a certeza se seria a tia Graça... Seja como fôr, depois dela veio outra, e mais outra... Todas tagarelavam ao mesmo tempo umas com as outras, e, farta de ouvir aquele barulho contínuo que lembrava o cacarejar de dezenas de galinhas, saí da cozinha e tornei a subir as escadas. Também estava cheio de gente: nunca tinha visto a nossa casa tão cheia. Contornei as pessoas para ir ter com o meu professor. No caminho, comecei a apontar para as pessoas, dizendo:
-Tu és boa pessoa... Tu és boa pessoa...
E foi então que encontrei a tia Judite, irmã do meu pai. Ao reconhecê-la, aproximei-me dela, com o indicador esticado na sua direcção, e sibilei com um sorriso de desprezo:
-Tu... és má pessoa.
Assim que acabei de falar a cabeça dela desfez-se em tiras, que caíram sobre os ombros todas enrugadas, tal e qual um balão esvaziado. Depois disto, aproximei-me com a maior naturalidade do Zepe, que continuava a um canto todo inclinado sobre monitor.
Ao lado dele, estava Darcy, um aluno de animação do terceiro ano. Os dois discutiam um projecto qualquer, e eu fiquei ali a ouvir a conversa à espera de uma oportunidade para participar. Como ela nunca mais chegava, rodei sobre os calcanhares para ir para o meu quarto, e escapar a toda aquela monotonia, barulho, confusão...
Contornei pessoas com rosto deformados, semelhantes a retratos abstractos ou cartoons demasiado estilizados, até me fechar atrás da porta azul.
Estendi-me na minha cama, que estava muito mais rente ao chão do que na realidade, e, ao rebolar sobre mim mesma e ficar de costas para a porta, vi que não havia paredes daquele lado do meu quarto, e que a relva, as pedras, a floresta de mimosas entrava por ali a dentro. Sentei-me na cama, maravilhada com a vista dos montes, das casinhas brancas pequeninas, logo a seguir à floresta.
Tive uma vontade tão grande de sair do meu quarto e passear para sempre naquele lugar...

A caminho da Terra Prometida a cavalo numa girafa

Mais uma vez, sonhei que estava a caminho de Moçambique: eu, o meu irmão e a minha tínhamos empreendido numa longa viagem até à Terra Prometida.
Atravessámos a pé uma planície árida, muito semelhante ao Alentejo, que pouco a pouco se converteu numa savana. Começámos então a ver animais selvagens à nossa volta: manadas de zebras, alguns leões que dormiam debaixo das árvores, abrigados na sombra do sol abrasador.
De repente, o bonito céu azul e brilhante que nos cobria tornou-se cinzento, e grandes gotas de chuva desabaram sobre nós. Quando a água nos dava pela cintura, não sei o que fizemos, mas do nada apareceram três girafas, que montámos.
Continuámos assim a nossa viagem, até deparar-mo-nos com portagens; o valor a pagar era tão alto que não pudemos seguir em frente, e novamente não chegámos a Moçambique.

É muito curioso... nos meus sonhos (e, confesso, também na vida real) Moçambique é sempre a Terra Prometida, e faço de tudo para lá chegar. No entanto, nunca consigo. Lembro-me que há uns anos sonhei que um hipopótamo se atravessava no nosso caminho, ou algo do género, e que num outro sonho não podíamos pagar a gasolina do jipe que conduzíamos.