sexta-feira, 24 de junho de 2011

MAIS UM APOCALIPSE ZOMBIE (isto começa a preocupar-me)

Costumo ter várias vezes o mesmo sonho, e muitas vezes até gosto: é como ler um capítulo de um livro, pô-lo de parte, e mais tarde voltar a pegar nele para ler mais um capítulo ou dois. Mas já começo a estranhar esta história dos apocalipses zombies... Até porque os sonhos estão a tornar-se cada vez mais violentos.
Infelizmente, já passou demasiado tempo desde que tive este último sonho para me lembrar dele com todo o pormenor.
Mas sei que tudo começou numa praia... Uma praia muito estranha, para dizer a verdade: ficava dentro de uma pequena sala de paredes brancas (ou seria apenas um nevoeiro muito espesso?).
Eu estava na água, a apanhar as conchas que as ondas arrastavam para junto dos meus pés. A água era muito transparente, e através dela viam-se perfeitamente as algas, as conchas, as pedras...
Quando estava voltada para o mar, ficavam à minha direita alguns cadeirões, e mesmo uma estante cheia de livros. Grande parte da minha família estava aí. Lembro-me particularmente bem dos meus avós.
Junto de mim estavam algumas crianças, que não sei se eram estranhos, ou os meus primos e o meu irmão (creio que eram eles, apesar de na realidade a nossa diferença de idades ser muito reduzida).
Connosco, estava um adulto. Era um homem, e usava calções de banho curtos e justo, às riscas brancas e azuis. Umas vezes era o meu pai, outras, um tio meu (o tio Zé Marques). Não tinha paciência nenhuma para nós, e não se esforçava para o esconder: fazia constantemente comentários cépticos que me irritavam.
Apesar de estarmos todos juntos, e ainda por cima na praia, o ambiente era pesado. A única palavra que me ocorre para o descrever é "cinzento".
A maré trazia à costa objectos cada vez mais estranhos, que eu apanhava ansiosamente. No entanto, fui obrigada a abandoná-los quando a minha família me chamou para me dizer que "tínhamos de ir embora". Eu não sabia porquê, aliás, acho que ninguém sabia. Mas nenhum de nós questionou esta decisão.
De repente, a praia desaparecera, e estávamos na casa dos meus avós, em Setúbal.
Percorri o corredor até ao último quarto, enquanto na sala a minha família me dizia para me despachar. O último quarto da casa dos avós era agora o meu quarto da casa de Massamá. Consigo pensar em dezenas de objectos que gostaria de levar comigo se algum dia fosse obrigada a fugir de minha casa, mas, neste sonho, nem sequer me lembrei deles: sem hesitar, fui até à aparelhagem, e retirei, de um pequeno esconderijo, um livro. Era um livro minúsculo e feio, com uma capa castanho-dourada de textura rude. Abri o livro, e quando o fiz, uma música lúgubre e sombria começou a tocar. Em cada página do livro havia uma fotografia de um zombie: aquele tratava do verdadeiro livro dos mortos. Lá, estavam todos os mortos-vivos que tínhamos de abater, de uma vez por todas. Sempre que um deles morria, uma página desaparecia. Sempre que uma pessoa se convertia num deles, aparecia mais uma página.
Eu era a responsável pelo livro.
Fechei-o, perturbada pela música.
Corri de novo para a minha família, que, na sala da casa dos meus avós, esperava por mim. Já tinham os casacos vestidos e não pareciam mais ansiosos por partir do que numa das nossas habituais reuniões familiares.
Lembro-me de muito pouco a partir do momento em que passámos pela porta: sei que a determinada altura eu era uma homem branco que sobrevivia a um acidente de automóvel e logo a seguir escapava a dois zombies. Depois, era novamente eu própria, e atravessava um pequeno campo de basquetebol cercado por grades em Massamá. Estavam lá dois ou três zombies por que passei sem que me dessem a menor importância. Porém, atrás de mim vinha uma pequena menina negra. Tinha o cabelo preso em dois totós, usava um adorável vestido cor-de-rosa e uma capa vermelha que a fazia parecer o capuchinho vermelho. Trazia consigo um saco de gomas.
Quando as duas saímos do campo de basquetebol, uma zombie agarrou-a e puxou-a de encontro a si. Era o cadáver de uma mulher velha e raquítica, cuja pele pálida caía aos poucos.
-Candy! - gritou ela, enfiando a mão no saco de gomas da menina e levando várias à boca - Candy! - tornou a gritar, empurrando os restos dos doces que enfiara na própria boca para a da menina.
A criança tentou gritar quando a mão putrefacta se colou à boca dela, e gritou novamente quando a velha começou a comer-lhe o peito.
Em pânico, subi por um candeeiro de rua acima com a agilidade de um gato.
No topo, tornei-me um homem negro,um pouco gordo e calvo.
Ao olhar para baixo, vi dois zombies a contornar o candeeiro, gemendo e grunhindo,à espera que eu descesse.
-Carolina!
Alguém chamava o meu nome! Olhei imediatamente na direcção do som: era Catarina!
-Carolina, salta! Não tenhas medo! Anda!
Estava cheia de medo, mas eu confio na Catarina. Por isso, saltei.
Assim que os meus pés tocaram no chão, desatei a correr. Ou pelo menos, a tentar: por algum motivo, eu não consigo correr nos meus sonhos, salvo raras excepções. Limito-me a dar alguns passinhos pequeninos muito depressa.
Mesmo assim, consegui escapar aos zombies quando eles me perseguiram.
Como eu e a Catarina corremos em direcções opostas, não sei o que lhe aconteceu.
Quanto a mim, dentro de pouco pouco estava em minha casa (em Massamá). E era eu própria outra vez.
Lá, corri o corredor até ao fim, e, deparei-me com um zombie a comer alguém, no quarto do meu irmão.
Sem perder tempo, tranquei-me no meu quarto, chorando enquanto ouvia a vítima a gritar.
Horas mais tarde, a minha família chegou e abriu a porta do meu quarto:
-Está um zombie cá em casa!
-Não... Já deve ter saído. -tranquilizou-me o meu irmão.
Na cozinha, encontrei-me com a minha mãe, uma tia minha, e a minha avó. Do joelho para baixo, a sua perna esquerda estava reduzida a tiras de carne e pele. Foi então que percebi que a pessoa que o zombie estava a comer no quarto do meu irmão era a minha avó. Senti-me esmagada pela culpa, e rezei para que ela não me tivesse visto fugir enquanto ela gritava por socorro.
Todos juntos, tratámos a ferida dela e ligámo-la. Decidimos que aquela casa seria o nosso lar, e que seria nela que tentaríamos sobreviver.
Pouco depois, toda a gente saiu de casa, excepto eu e o meu irmão. Estávamos os dois na cozinha, ele junto à janela, eu perto da mesa.
Foi então que apareceram dois zombies: não faço ideia como tinham entrado na nossa casa, mas tinham conseguido. Eram bizarros: um deles nascia das costas do outro, existindo apenas da cintura para cima.
-Eu tenho uma faca! - gritei, agarrando um cutel que estava sobre a mesa. Estava decidida a não me aproximar daqueles montros, pelo que atirei a faca com todo o meu ímpeto, apontando para o peito (não sei porque é que não tentei acertar na cabeça, já que é a única maneira de matar um zombie). Infelizmente, outra das características dos meus sonhos é que perco completamente a força... e o cutel caiu no chão mesmo aos pés da criatura.
Fiquei boquiaberta, paralisada pelo medo, a olhar ora para o cutel, ora para o monstro.
Ele passou por mim e caminhou direitinho ao meu irmão.
-Não! - gritei, e, vencendo o medo e a repugnância, agarrei a criatura pela cintura, lutando para a afastar do meu irmão enquanto tentava escapar às unhas e aos dentes do zombie que nascia das costas do outro.
-Tomás! - gritei - Mata-o! Depressa!
-Espera... -retorquiu o meu irmão, num tom tranquilo. -Tenho de escolher a faca certa... - explicou ele, enquanto revistava o seu estojo de facas (ele está a estudar para ser chef de cozinha).
-Despacha-te!
-Olha, toma esta. - disse ele, estendendo-me uma faca com toda a calma. Comecei imediatamente a esfaquear a garganta e o peito do zombie que estava colado às costas do outro. Ele olhou-me com algum desdém, e, agarrou o meu braço com força, puxando-o em direcção aos seus dentes podres.
-Não! - guinchei. Mas não pude escapar: se o fizesse, o monstro apanharia o meu irmão.
Olhando-me nos olhos, o zombie abocanhou a minha carne e puxou com prazer. Lembro-me claramente da dor.
Pouco depois, o meu irmão matou a criatura, e fugiu de mim a correr. Soube que ia dizer à minha família que eu tinha sido infectada, e que para o bem de todos era preciso matar-me.
Eu queria viver.
Por isso, corri para a bancada da coziha, escolhi um faca que ainda não tinha sido usada para matar nenhum zombie, e comecei a cortar o meu braço (tendo o cuidado de o fazer sobre uma tábua). Tinha esperanças que a vírus não tivesse chegado a espalhar-se pelo resto do corpo. Era uma ideia tôla, mas tinha de tentar.
Estava tudo sujo com o meu sangue. A dor era atroz.
Mesmo assim, cortei mais um bocado, quase rente ao cotovelo.
Acordei pouco depois... Lembro-me da dor, e voltar a sentir a mão, aos poucos e poucos.

pedras = ossos
família = vida