Há já muito tempo que não escrevo... Hoje, contudo, o sonho que vou contar fez-me notar a minha falta: estava numa sala de cinema muito longa e estreita. Era clara, acho que toda branca, mas estava um pouco escuro. Por vezes, era difícil perceber se estávamos realmente entre quatro paredes ou ao ar livre.
Comigo, estavam o meu irmão e a minha prima Ana. O filme que estávamos a ver era muito mau, para além de dolorosamente aborrecido. Por isso, apesar de já nos terem repreendido algumas vezes, nós continuávamos a falar.
A dada altura, Ana revelou-nos que se tinha chateado com uma amiga sua: a Inês, com quem passei uns dias à pouco tempo:
-Mas ela teve o que merecia: a Patrícia comeu-a!
Fui sacudida por um arrepio tão gelado que me fez doer o corpo. A Patrícia é outra das amigas de Ana, com quem também estive este Verão.
-O quê? - murmurei, incrédula.
-A Patrícia comeu-a. Ela e mais algumas amigas dela. Foi bem-feita!
Quase deixei de ouvir Ana, durante algum tempo. Sentia-me tonta, e estava prestes a vomitar.
Entretanto, Ana continuava a tagarelar:
-Cortaram-na aos bocadinhos, guardaram a carne num frigorífico e foram comendo. É que a Patrícia faz parte de uma seita canibal qualquer, sabes? Se alguém chateia uma dela... pronto! Mas foi bem-feita, foi bem-feita...
Como é que era possível que a Ana fosse amiga de uma pessoa assim? Porque não tinha revelado isto a mais ninguém? Estaria com medo? E como é que era possível que a polícia nunca tivesse descoberto qualquer vestígio de um crime tão macabro:
-Onde é que elas escondem os ossos? - lembrei-me de perguntar.
A Ana assumiu uma expressão pensativa, e acabou por me dizer que não sabia.
-Mas agora eu tenho de ter cuidado com elas... - disse-me ela, num tom subitamente sério - É que eu e a Patrícia chateá-mo-nos, sabes?
Quando ela me contou isto, apeteceu-me desatar a chorar. O Tomás, por seu turno, ficou animadíssimo, comentando com a nossa prima como era empolgante ela fazer parte de semelhante drama.
Entretanto, eu fiquei tão nervosa que desatei a comer qualquer coisa e a falar, pelo que fui expulsa da sala. Lembro-me que na altura em que me expulsaram apareceu no ecrã um homem de aspecto rude, com uma palhinha na boca. Lembrou-me o Chuck Norris. Estava num campo aberto, cheio de capim.
Dei comigo numa imensa cidade greco-romana, que aos pouco uma equipa de arqueólogos ia escavando.
Tudo estava intacto: as esculturas, os edifícios... Mas era tudo de um branco imaculado: todas as pinturas de cores vivas tinham desaparecido.
Acabei por encontrar o meu professor de animação Zepe, que, juntamente com um um ou dois companheiros, explorava o achado.
Segui-os à distância (provavelmente com medo que o meu professor me perguntasse alguma em relação a um trabalho em atraso). Passei as mãos por um mosaico lindíssimo, feito de pequenas pedrinhas de um verde-jade, macias como seda.
Zepe acabou por se aperceber da minha presença e foi ao meu encontro. Revelou-me que uma escavação semelhante àquela estava naquele momento a ser feita no jardim da quinta onde moro.
Incrédula, fui a correr para casa.
Quando vi que a parte bonita do nosso jardim tinha desaparecido, e que no seu lugar havia um buracão colossal, pensei como o tio e a mãe ficariam aborrecidos.
Lá em baixo, a pelo menos 25 metros da superfície, uma antiga cidade greco-romana era redescoberta.
"Será que pediram permissão ao tio para escavar no jardim dele?" pensei "Será que lhe estão a pagar para estar aqui?".
Desci. Aquele achado era agora usado como uma espécie de parque temático: tal como em Óbidos se fazem feiras medievais, ali deparei-me com uma feira greco-romana. Muitas pessoas usavam togas.
Ao fim de algum tempo parei junto de uma banca onde se vendia fruta, construída sobre uma estrutura de madeira improvisada. Sentei-me junto a uma cesta e pus-me a comer frutos secos (que na realidade detesto).
De volta a casa, cruzei-me com o meu padrasto e disse-lhe:
-Tio! Já sabes que havia uma cidade greco-romana in-tei-ri-nha debaixo do jardim?!
-Oh! Mas isso via-se logo! - retorquiu ele. Deduzi que tivesse descoberto tal coisa através das irregularidades do terreno.
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Chiça, ainda bem quem não entro nos teus sonhos!
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