Esta noite sonhei que era uma sereia: quando estava fora de água, tinha perna, mas quando mergulhava, tinha barbatanas.
Estava ao pé de um armazém de um só andar e paredes brancas (apesar de sujas e com a tinta gasta) diante de um rio, de águas cinzentas e paradas onde cresciam juncos e se acumulava lixo. Havia também grandes rochas negras, às quais estavam ancorados barcos pequenos, velhos, e quase sem cor, flutuando praticamente imóveis, quase pairando.
Sobre o rio, havia um pontão feito de pedras escuras, com uma superfície lisa sobre a qual passavam camiões.
O céu estava toldado de nuvens brancas e cinzentas, não estava calor nem frio, e o único barulho que se ouvia era o das máquinas a trabalhar nos armazéns atrás de mim, e de homens carregados de mercadorias que falavam uns com os outros.
Todos me ignoravam, excepto dois que conduziam um fixador de cargas, que me olhavam atentamente.
Decidi afastar-me. Caminhei para a água e entrei.
Nadei muito tempo: tinha de chegar à outra margem, custasse o que custasse.
Quando já estava demasiado cansada para continuar, e quase tinha alcançado terra, trepei com os meus braços exaustos pelas pedras do pontão, para me deitar na estrada a descansar.
Mas, quando o fiz, ouvi um carro aproximar-se, e quando me levantei a custo vi que eram os dois homens que me observavam no porto que o conduziam. Atravessavam o pontão, e teriam de passar por mim.
Desesperada, tornei a arrastar-me para dentro de água. Arranhei as pernas (ou barbatanas) e magoei os pulsos ao descer pelas pedras, caí e esfolei os braços e o peito.
Quando cheguei à água, comecei a afastar-me da margem, para que os dois homens não me alcançassem. Foi então que uma forte corrente começou a arrastar-me de volta ao armazém:
-Não! - gritei - Socorro, ajudem-me! - implorei aos dois homens, que tinham saído do veículo e me observavam com um ar surpreendido, ajeitando os bonés e mordiscando os cigarros.
-Ajudem-me!
Não podia voltar àquela margem: já não me importava com os homens, se eram eles ou outra pessoa qualquer que me tirava da água, só queria sair dali, só não podia voltar à margem de onde partira.
Agarrei-me às rochas, às plantas, ao lixo... Mas a corrente foi mais forte, e em menos de nada estava outra vez ao pé do armazém. Precisara de tanto tempo para chegar onde tinha chegado, e num instante tornei ao ponto de partida.
Ps: não me recordo muito bem do que dizia, mas este meu sonho era narrado por um homem. Lembro-me que quando a corrente me começou a arrastar, ele disse: "...às vezes, as sereias são arrastadas pelas correntes fortes..."
Não considero isto muito estranho, tendo em conta que alguns sonhos meus são legendados.
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