Estávamos no ultimo andar de um prédio rodeado por um vasto jardim, e o nosso objectivo era escapar vivos: entre as paredes brancas, e entre as plantas grandes e coloridas, vagueavam zombies, arrastando os pés sobre a relva. Os corpos enfraquecidos pela putrefacção cambaleavam curvados, com os braços pendentes ao lado do corpo, oscilando ao ritmo do seu rastejar. Moviam-se tão devagar, e com tanto custo, que davam a impressão de terem pés de chumbo.
Mas não deixavam de ser perigosos por isso.
Tínhamos acabado de analisar a nossa situação, e de conceber um plano para escaparmos: o quarto onde nos encontrávamos tinha uma porta que dava para um segundo quarto quarto. Ambos tinham acesso ao corredor, onde zombies andavam para trás e para a frente sem parar. O plano era simples: um de nós iria para o segundo quarto, cuidadosamente fechando a porta atrás de si. Depois, abriria a porta desse segundo quarto que dava para corredor. O barulho da maçaneta não passaria despercebido aos zombies: eles aproximar-se-iam para investigar, e encontrariam uma presa, que se deixaria devorar enquanto os restantes humanos fugiam pelo corredor deserto.
Eu fui a escolhida para ser sacrificada. Reclamei, e recusei-me a fazê-lo, mas todos insistiram que, de qualquer maneira, eu era aquela que tinha menos hipóteses de sobreviver. Além do mais, esta era a única maneira que eu tinha de ajudar o grupo, visto que não sabia usar armas, nem era dotada de nenhuma outra qualidade útil naquelas circunstâncias.
Insisti que não o faria, mas o grupo não mudou de ideias. Temeram, no entanto, que a minha falta de vontade pusesse em risco o plano. Por isso, um homem gordo, entre os 30 e os 40 anos, voluntariou-se para me acompanhar até ao segundo quarto, e certificar-se de que eu cooperava. Assim que eu abrisse a porta, ele regressaria ao primeiro quarto.
No segundo quarto, pedi ao homem gordo que me desse uns minutos.Ele lançou-me um olhar desconfiado, mas consentiu. À beira das lágrimas, fechei-me numa minúscula casa-de-banho.
Quando olhei para o espelho, tive uma ideia.
Eu ainda me podia salvar. Não sabia se o meu plano iria funcionar, havia, aliás, uma grande probabilidade de ele falhar. Mas eu só tinha duas escolhas: correr o risco, ou resignar-me e morrer sem sequer tentar escapar. O grupo provavelmente morreria. Não me importava: se eles estavam tão dispostos a sacrificar-me, eu não me preocuparia se eles morressem.
Abri um minúsculo armário na casa-de-banho, e para minha alegria, encontrei maquilhagem e uma peruca. Voltei-me para o espelho, enfiei a peruca e maquilhei-me até ficar o mais parecida possível com um zombie. Provavelmente devido às cores de que dispunha, eu parecia o cadáver de um homem negro. Não era um disfarce muito convincente, um ser humano jamais se deixaria enganar por ele. Para não perder o ânimo, disse a mim mesma que os zombies eram estúpidos.
Respirei fundo e saí da casa de banho, arrastando hesistantemente os pés. Tinha a cabeça inclina sobre o peito, e a boca aberta, revelando os dentes cobertos de maquilhagem castanha.
O homem gordo veio ao meu encontro, e disse-me, gesticulando ansiosamente:
-Ouve, eu quero dizer-te que lamento imenso... Mas não temos outra hipótese, percebes?
Nesse momento vi um zombie aparecer atrás dele, silencioso como uma sombra. Parece que eles tinham aprendido a abrir portas. Parece que nem as maçanetas nem as dobradiças eram tão barulhentas quanto nós tínhamos pensado.
Soube o que ia acontecer e decidi fazer o que fosse necessário.
-Tu ainda não és um zombie! - exclamou o homem, como se só então se tivesse apercebido de algo estranho no meu comportamento- Porque é que te estás a mexer assim?
O zombie que eu vira atrás dele mordeu-lhe a nuca. Eu avancei e trinquei o pescoço. Lembro-me de ter pensado: "um pouco de sangue até ajuda o disfarce".
Atraídos pelos gritos do homem, mais zombies entraram no quarto para se juntarem ao festim. No primeiro quarto, o grupo percebeu que algo correrra mal e começou a chorar.
Eu estava tão assustada que não sentia o sabor da carne na minha boca. Por vezes, tinha a sensação de estar fora do meu corpo, a murmurar para mim mesma: "estás a ir bem, eles não perceberam que não és realmente um zombie. Continua assim, fica calma". Depois, abruptamente, caía em mim, e via a minha boca escancarada sobre o que restava de um pescoço ensanguentado. A cada segundo que passava mais zombies vinham inclinar-se ao redor do corpo. Certa vez, um deles lançou-me por instantes um olhar de uma profunda e macabra satisfação. Não sabia que os rostos dos zombies eram capazes de formar expressões. Isso fazia-os parecer criaturas, até um certo ponto, vivas e conscientes. Contive o meu espanto. Percebi que ele esperava que eu o retribuísse o seu sorriso, e com um pedaço de pele a pender-me dos dentes, abri os lábios.
Dentro de pouco tempo, havia demasiados zombies no quarto para que eu estivesse segura. Tantos se esforçavam para alcançar o cadáver, que poderiam arranhar-me ou morder-me acidentalmente. O mais discretamente possível, comecei a recuar. Os mortos estavam tão distraídos com a carne que nem estranharam a minha falta de interesse pela refeição.
Ao atravessar o corredor, passei por vários mortos que seguiam na direcção contrária. O corredor era estreito, e eu senti as suas mãos ossudas e frias roçarem as minhas. O hálito nauseabundo emanado pelas suas bocas escancaradas era nojento para lá da descrição. Mas o pior de tudo eram os olhos: estavam ansiosos e atentos, para que lhes escapasse qualquer pista capaz de lhes indicar onde estava a carne. Percebia-se que estavam com pressa, que tinham de chegar, depressa, enquanto ainda havia alguma coisa agarrada aos ossos do homem gordo. Por momentos, fixavam-se em mim. Eu não sabia de devia encará-los ou não. Optei por não o fazer, esperando não levantar suspeitas.
Era dificil conter as lágrimas, e era difícil não correr, mas o mais difícil de tudo era respirar devagar e discretamente. Aquelas coisas não respiravam: se me vissem arfar, saberiam que algo estava errado.
Cheguei às escadas em segurança. Depois de descer os degraus, só me lembro de estar a sair do prédio. A minha alegria ao ver a relva foi imensa. Mas mantive-me firme, e, sempre fazendo-me passar por um zombie, andei durante horas, até chegar a uma alta vedação, que contornava o território dos estúdios.
Escapei. Não tenho a certeza em relação ao resto do grupo, mas acho que todos morreram. e eu, que era quem tinha menos hipóteses de sobreviver, salvei-me.
Atraídos pelos gritos do homem, mais zombies entraram no quarto para se juntarem ao festim. No primeiro quarto, o grupo percebeu que algo correrra mal e começou a chorar.
Eu estava tão assustada que não sentia o sabor da carne na minha boca. Por vezes, tinha a sensação de estar fora do meu corpo, a murmurar para mim mesma: "estás a ir bem, eles não perceberam que não és realmente um zombie. Continua assim, fica calma". Depois, abruptamente, caía em mim, e via a minha boca escancarada sobre o que restava de um pescoço ensanguentado. A cada segundo que passava mais zombies vinham inclinar-se ao redor do corpo. Certa vez, um deles lançou-me por instantes um olhar de uma profunda e macabra satisfação. Não sabia que os rostos dos zombies eram capazes de formar expressões. Isso fazia-os parecer criaturas, até um certo ponto, vivas e conscientes. Contive o meu espanto. Percebi que ele esperava que eu o retribuísse o seu sorriso, e com um pedaço de pele a pender-me dos dentes, abri os lábios.
Dentro de pouco tempo, havia demasiados zombies no quarto para que eu estivesse segura. Tantos se esforçavam para alcançar o cadáver, que poderiam arranhar-me ou morder-me acidentalmente. O mais discretamente possível, comecei a recuar. Os mortos estavam tão distraídos com a carne que nem estranharam a minha falta de interesse pela refeição.
Ao atravessar o corredor, passei por vários mortos que seguiam na direcção contrária. O corredor era estreito, e eu senti as suas mãos ossudas e frias roçarem as minhas. O hálito nauseabundo emanado pelas suas bocas escancaradas era nojento para lá da descrição. Mas o pior de tudo eram os olhos: estavam ansiosos e atentos, para que lhes escapasse qualquer pista capaz de lhes indicar onde estava a carne. Percebia-se que estavam com pressa, que tinham de chegar, depressa, enquanto ainda havia alguma coisa agarrada aos ossos do homem gordo. Por momentos, fixavam-se em mim. Eu não sabia de devia encará-los ou não. Optei por não o fazer, esperando não levantar suspeitas.
Era dificil conter as lágrimas, e era difícil não correr, mas o mais difícil de tudo era respirar devagar e discretamente. Aquelas coisas não respiravam: se me vissem arfar, saberiam que algo estava errado.
Cheguei às escadas em segurança. Depois de descer os degraus, só me lembro de estar a sair do prédio. A minha alegria ao ver a relva foi imensa. Mas mantive-me firme, e, sempre fazendo-me passar por um zombie, andei durante horas, até chegar a uma alta vedação, que contornava o território dos estúdios.
Escapei. Não tenho a certeza em relação ao resto do grupo, mas acho que todos morreram. e eu, que era quem tinha menos hipóteses de sobreviver, salvei-me.
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