Há cerca de um ano, sonhei que um dos meus cães, o meu querido Alex, tinha morrido. Eu adoro aquele cão, e no meu sonho fartei-me de chorar agarrada ao corpo dele.
Quando o estavam a enterrar, fiquei a olhar com pena para a terra a cair em cima do seus pêlo dourado, a pensar que dentro de pouco tempo deixaria de vê-lo para sempre.
Chorei até não poder mais...
Mas, ao sair de casa no dia seguinte, fui surpreendida pelo meu Alex, que se passeava junto à porta de entrada e abanava o rabo com tanta força que todo o corpo era também sacudido.
Louca de alegria, corri para ele. Mas o meu cão fugiu de mim, com a cauda entre as patas e de focinho baixo.
-Alex! - chamei - Anda à dona!
Corri atrás dele até chegar à orla de uma floresta muito escura e fria, onde o meu cão se meteu.
Curiosamente, tinha sido construído mesmo junto às árvores um café, onde uns velhos de longas barbas, camisas de xadrez e calças de ganga sustentadas por suspensórios me disseram que sabiam o que tinha o meu cão: explicaram-me que o corpo morto de Alex tinha sido mordido por uma espécie muito rara de cobras, que atacava apenas cadáveres e que, com uma dentada, passava a sua alma para dentro do corpo morto da vítima, passando a habitar nele.
-Cada cobra vive duas semanas no corpo que morde. - informou um dos velhos - Se quiseres manter o teu cão vivo, só tens de o trazer até aqui de quinze em quinze dias, para que uma nova cobra o venha morder.
Ao perceber que, como um parasita, um bicho imundo vivia no corpo do meu Alex, vivia através dele, e o profanava, fiquei cheia de raiva.
Nem me passou pela cabeça fazer o que o velho sugerira: o que quer que fosse que estava no corpo do Alex, não era o Alex, e estava a roubar a carne do meu adorado cão.
Decidi vingá-lo: mataria a cobra!
Porém, ela fugia de mim, e era dificílimo apanhá-la. Esperei até ela se sentir fraca, e, assim que percebeu que estava prestes a morrer, a cobra dirigiu-se para a floresta, dentro do corpo do meu cão, para que uma outra cobra tomasse o seu lugar.
Mas eu apanhei-a!
Agarrei-a com força e bati-lhe!
Só que o corpo dourado que se encolheu nos meus braços foi o do meu cão, e quando o ouvi ganir fiquei horrorizada: pareceu-me que estava a matar o meu Alex, que me lançava um olhar ao mesmo tempo assustado, admirado e suplicante. Parecia mesmo o meu cão, que me perguntava com aqueles olhinhos castanhos porque é que eu o estava a magoar, eu, que sempre o tratara tão bem, e me pedia que, por favor, o largasse.
Assim que me afastei, ele desatou a correr em direcção à floresta, onde, decerto, uma outra cobra veio ocupar o corpo morto do meu cão.
Então percebi como era difícil a minha missão: ou me conformava com os parasitas que habitavam o cadáver do meu Alex, e fingia que o meu cão continuava vivo, ou então, eu própria teria de matar aqueles répteis imundos, e ver morrer pelas minhas mãos o meu querido cão.
Não sei se consegui cumprir a minha tarefa, não me lembro. Sei que, depois de matar a cobra que estava dentro do meu Alex, teria de queimar o seu corpo, antes que uma outra o ocupasse.
sábado, 27 de fevereiro de 2010
Os Aztecas Indianos e a sua Cadeia de Hotéis
Hoje, sonhei que vivia numa selva luxuriante, com uma tribo de alegres indígenas.
Não me lembro muito bem de como fui até lá... Lembro-me de passar por um sítio parecido com a minha faculdade, só que muito maior, com mais corredores e salas, quase um labirinto. Recordo-me de correr e saltar nesse labirinto como se fosse mergulhar, ficando depois a flutuar no ar, e movendo-me sobre a cabeças das outras pessoas como se nadasse debaixo de água...
Na tribo onde eu vivia, havia um rapaz branco, como eu, que fôra criado pelos nossos amigos índios. Talvez por sermos da mesma raça, ele compadeceu-se de mim, teve pena de me ver perdida no meio da floresta, e enquanto estive entre os indígenas, não me largou: estávamos sempre juntos.
Certo dia, fomos pescar: viajámos até uma praia pequena, rodeada por uma enorme falésia, repleta de edifícios abandonados.
Perscrutámos os prédios em busca de material para construirmos cestas para transportar o peixe: lembro-me vagamente de uma menininha que fizera a sua cesta apenas com caixas de Cd's...
Assim que as cestas ficaram prontas, descemos à praia: eu e um grupo de jovens entusiastas corremos para a água cheia de peixe, e, à primeira tentativa, agarrei um peixe gordo, que ficou a contorcer-se na minha mão até o pôr na cesta que partilhava com o meu inseparável amigo. Os peixes eram todos brancos, de corpos achatados mas rechonchudos, com pequenos bigodes.
Sorri ao meu companheiro, muito orgulhosa do meu sucesso, mas ele estava apreensivo: contou-me que, apesar de a água parecer cheia de peixe, a verdade é que nos anos anteriores havia muito mais.
Então, a tribo decidiu investigar os prédios abandonados, em busca de um motivo para aquele desastre.
Numa das salas, que tinha o chão coberto de lajes, o meu amigo descobriu uma solta. Levantou-a, e verificámos que tinha sido colocada directamente por cima de água.
Lá, estavam a boiar duas estatuetas de santos:
-A culpa é dos santos! - acusou o meu amigo. - Eles estão a dar informações aos jornalistas!!
Ao ouvir isto, pegámos nas estátuas e atirá-mo-las ao chão, partindo-as.
Nesse momento, uma das paredes da sala foi rebentada por uma imensa máquina escavadora, da qual saíram homens brancos, furiosos com a atitude dos indígenas. Agarram-me e levaram-me à força para a sua máquina escavadora, que também funcionava como meio de transporte.
Depois, meteram-se pelos túneis que tinham escavado para vir ao nosso encontro, levando-me com eles.
Furiosos, os índios perseguiram-nos, até que a máquina se deteve ante uma parede antiga de tijolo, coberta de antigas pinturas aztecas.
Curiosamente, essas pinturas assemelhavam-se a um gigantesco guia turístico, e maravilhados, os homens brancos descobriram que os aztecas (que segundo as pinturas feitas na parede viviam na Índia) sonhavam construir uma cadeia de hotéis pelo mundo fora.
Devolveram-me aos meus amigos índios, e foram-se embora, prometendo nunca mais nos importunar.
Não me lembro muito bem de como fui até lá... Lembro-me de passar por um sítio parecido com a minha faculdade, só que muito maior, com mais corredores e salas, quase um labirinto. Recordo-me de correr e saltar nesse labirinto como se fosse mergulhar, ficando depois a flutuar no ar, e movendo-me sobre a cabeças das outras pessoas como se nadasse debaixo de água...
Na tribo onde eu vivia, havia um rapaz branco, como eu, que fôra criado pelos nossos amigos índios. Talvez por sermos da mesma raça, ele compadeceu-se de mim, teve pena de me ver perdida no meio da floresta, e enquanto estive entre os indígenas, não me largou: estávamos sempre juntos.
Certo dia, fomos pescar: viajámos até uma praia pequena, rodeada por uma enorme falésia, repleta de edifícios abandonados.
Perscrutámos os prédios em busca de material para construirmos cestas para transportar o peixe: lembro-me vagamente de uma menininha que fizera a sua cesta apenas com caixas de Cd's...
Assim que as cestas ficaram prontas, descemos à praia: eu e um grupo de jovens entusiastas corremos para a água cheia de peixe, e, à primeira tentativa, agarrei um peixe gordo, que ficou a contorcer-se na minha mão até o pôr na cesta que partilhava com o meu inseparável amigo. Os peixes eram todos brancos, de corpos achatados mas rechonchudos, com pequenos bigodes.
Sorri ao meu companheiro, muito orgulhosa do meu sucesso, mas ele estava apreensivo: contou-me que, apesar de a água parecer cheia de peixe, a verdade é que nos anos anteriores havia muito mais.
Então, a tribo decidiu investigar os prédios abandonados, em busca de um motivo para aquele desastre.
Numa das salas, que tinha o chão coberto de lajes, o meu amigo descobriu uma solta. Levantou-a, e verificámos que tinha sido colocada directamente por cima de água.
Lá, estavam a boiar duas estatuetas de santos:
-A culpa é dos santos! - acusou o meu amigo. - Eles estão a dar informações aos jornalistas!!
Ao ouvir isto, pegámos nas estátuas e atirá-mo-las ao chão, partindo-as.
Nesse momento, uma das paredes da sala foi rebentada por uma imensa máquina escavadora, da qual saíram homens brancos, furiosos com a atitude dos indígenas. Agarram-me e levaram-me à força para a sua máquina escavadora, que também funcionava como meio de transporte.
Depois, meteram-se pelos túneis que tinham escavado para vir ao nosso encontro, levando-me com eles.
Furiosos, os índios perseguiram-nos, até que a máquina se deteve ante uma parede antiga de tijolo, coberta de antigas pinturas aztecas.
Curiosamente, essas pinturas assemelhavam-se a um gigantesco guia turístico, e maravilhados, os homens brancos descobriram que os aztecas (que segundo as pinturas feitas na parede viviam na Índia) sonhavam construir uma cadeia de hotéis pelo mundo fora.
Devolveram-me aos meus amigos índios, e foram-se embora, prometendo nunca mais nos importunar.
Cristo Moribundo
Há dois dias, sonhei com Jesus. Era muito magro e pequenino, e estava sempre encolhido, em posição fetal. Assim, todo dobrado, era um pouco mais pequeno que o meu braço.
Estava todo nu, com excepção de uma tanga branca, e mantinha o rosto sempre escondido com as mãos, o cabelo e a barba longa.
Passava os dias deitado numa prateleira na nossa cozinha, junto ao forno.
Não se mexia, e nós tínhamos de lhe dar de comer, de o ajudar a beber, de o limpar...
Até que, um dia, ele recusou a comida que lhe demos.
Bem nos esforçámos, mas Jesus não comeu.
Então eu percebi que ele estava a morrer.
Estava todo nu, com excepção de uma tanga branca, e mantinha o rosto sempre escondido com as mãos, o cabelo e a barba longa.
Passava os dias deitado numa prateleira na nossa cozinha, junto ao forno.
Não se mexia, e nós tínhamos de lhe dar de comer, de o ajudar a beber, de o limpar...
Até que, um dia, ele recusou a comida que lhe demos.
Bem nos esforçámos, mas Jesus não comeu.
Então eu percebi que ele estava a morrer.
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
O Corcunda Coxo e a Cidade dos Perdidos
Não me lembro quando tive este sonho: acho que foi na mesma altura em que estava a trabalhar na PAA.
Era noite, e estava sozinha numa cidade degrada. Estava frio, e quase não havia luzes: onde havia os raros candeeiros irradiavam uma luz amarela, exausta. Os prédios eram todos iguais, com pouco mais de quatro andares, rectangulares como caixas de sapatos, e todos colados uns aos outros. Junto às entradas dos prédios, iluminadas por um brilho semelhante ao dos candeeiros de rua, os sem-abrigo reuniam-se e espreitavam por cima do ombro, com uma expressão desconfiada, para quem passava.
Atrevi-me a entrar num dos prédios. Havia uma escada e um elevador, sendo que este tinha por porta uma daquelas grades que se recolhem para entrar, e que o fazia parecer uma jaula. O elevador podia levar-nos tanto ao subsolo, onde viviam, no meio da terra, famílias de desgraçados, ou ao aos apartamentos.
Eu subi até aos apartamentos.
Para minha surpresa, fui dar a casa dos meus avós, onde estavam reunidas todas as pessoas de que gosto.
Rejubilei ao vê-lo todos de pé, a conversar ao redor de uma mesa, cheia de aperitivos.
Entre os convidados, descobri um rapaz que fôra meu colega do sétimo ao nono ano e que desde então nunca vira, e que me perguntava várias vezes, com um sorriso enorme, se me lembrava de quem ele era; vi um amigo de infância e um jovem louro muito bonito, e o David.
Então alguém pousou a mão no meu ombro, e ao voltar-me deparei-me com um outro rapaz pouco mais velho que eu, de grandes olhos, nariz adunco, bochechas fartas e longos cabelos e barbas negros. Beijou-me na bochecha e disse, com um sotaque brasileiro:
-Tenho de ir, amor.
Tentei detê-lo, mas ele voltou-me as costas e desapareceu. Encolhi os ombros e continuei a conversar.
Alguém me chamou até ao hall de entrada, para atender o telefone. Era alguém que de quem eu sentia muita falta, e que não pudera aparecer. Sentei-me na cadeira ao lado do telefone e deixe-me adormecer, a ouvir aquela voz querida.
Quando acordei, a casa estava vazia.
"Onde foram todos?"
"Porque é que me deixaram aqui?"
"Podiam ter-me acordado..."
"Esqueceram-se de mim?..."
Saí a correr do apartamento, a procurá-los. Corri as ruas sozinha, em silêncio, sem coragem para chamá-los.
Entretanto, vi uma figura bizarra passar por mim: era baixa e larga, bem atarracada, e caminhava curvada sobre dois andarilhos: antes de dar um passo, segurava primeiro um, empurrava-o para a frente, depois agarrava o outro e fazia a mesma coisa. Estava toda coberta por um manto escuro, e, sob o capuz, brilhavam dois pontos amarelos, que eu supus que fossem os seus olhos.
Olhei à minha volta: entre um prédio e a estrada, havia um precipício. Estava rodeado de uma trave, e havia umas escadas apertadas por onde se podia descer. Decidi que se a figura encapuçada avançasse para mim, saltaria.
Preparava-me para continuar a minha busca quando ouvi algo metálico cair. Voltei-me para trás e vi que a figura tinha atirado os andarilhos para o chão, e caminhava na minha direcção, balançando de um lado para os outro a cada passo e com os braços esticados, com as mãos escuras e minúsculas abertas.
Corri para o precipício e atirei-me. Ao voltar-me no ar, vi o perseguidor debruçado sobre a trave, a olhar para mim.
"Agora só tenho de esperar até acordar..." - pensei, enquanto continuava a cair no escuro e a sentir o ar frio passar rapidamente pelo meu corpo.
Era noite, e estava sozinha numa cidade degrada. Estava frio, e quase não havia luzes: onde havia os raros candeeiros irradiavam uma luz amarela, exausta. Os prédios eram todos iguais, com pouco mais de quatro andares, rectangulares como caixas de sapatos, e todos colados uns aos outros. Junto às entradas dos prédios, iluminadas por um brilho semelhante ao dos candeeiros de rua, os sem-abrigo reuniam-se e espreitavam por cima do ombro, com uma expressão desconfiada, para quem passava.
Atrevi-me a entrar num dos prédios. Havia uma escada e um elevador, sendo que este tinha por porta uma daquelas grades que se recolhem para entrar, e que o fazia parecer uma jaula. O elevador podia levar-nos tanto ao subsolo, onde viviam, no meio da terra, famílias de desgraçados, ou ao aos apartamentos.
Eu subi até aos apartamentos.
Para minha surpresa, fui dar a casa dos meus avós, onde estavam reunidas todas as pessoas de que gosto.
Rejubilei ao vê-lo todos de pé, a conversar ao redor de uma mesa, cheia de aperitivos.
Entre os convidados, descobri um rapaz que fôra meu colega do sétimo ao nono ano e que desde então nunca vira, e que me perguntava várias vezes, com um sorriso enorme, se me lembrava de quem ele era; vi um amigo de infância e um jovem louro muito bonito, e o David.
Então alguém pousou a mão no meu ombro, e ao voltar-me deparei-me com um outro rapaz pouco mais velho que eu, de grandes olhos, nariz adunco, bochechas fartas e longos cabelos e barbas negros. Beijou-me na bochecha e disse, com um sotaque brasileiro:
-Tenho de ir, amor.
Tentei detê-lo, mas ele voltou-me as costas e desapareceu. Encolhi os ombros e continuei a conversar.
Alguém me chamou até ao hall de entrada, para atender o telefone. Era alguém que de quem eu sentia muita falta, e que não pudera aparecer. Sentei-me na cadeira ao lado do telefone e deixe-me adormecer, a ouvir aquela voz querida.
Quando acordei, a casa estava vazia.
"Onde foram todos?"
"Porque é que me deixaram aqui?"
"Podiam ter-me acordado..."
"Esqueceram-se de mim?..."
Saí a correr do apartamento, a procurá-los. Corri as ruas sozinha, em silêncio, sem coragem para chamá-los.
Entretanto, vi uma figura bizarra passar por mim: era baixa e larga, bem atarracada, e caminhava curvada sobre dois andarilhos: antes de dar um passo, segurava primeiro um, empurrava-o para a frente, depois agarrava o outro e fazia a mesma coisa. Estava toda coberta por um manto escuro, e, sob o capuz, brilhavam dois pontos amarelos, que eu supus que fossem os seus olhos.
Olhei à minha volta: entre um prédio e a estrada, havia um precipício. Estava rodeado de uma trave, e havia umas escadas apertadas por onde se podia descer. Decidi que se a figura encapuçada avançasse para mim, saltaria.
Preparava-me para continuar a minha busca quando ouvi algo metálico cair. Voltei-me para trás e vi que a figura tinha atirado os andarilhos para o chão, e caminhava na minha direcção, balançando de um lado para os outro a cada passo e com os braços esticados, com as mãos escuras e minúsculas abertas.
Corri para o precipício e atirei-me. Ao voltar-me no ar, vi o perseguidor debruçado sobre a trave, a olhar para mim.
"Agora só tenho de esperar até acordar..." - pensei, enquanto continuava a cair no escuro e a sentir o ar frio passar rapidamente pelo meu corpo.
TOMA!!!
Tive este sonho mais ou menos há um ano. Não me esqueci dele porque foi o sonho que me fez sentir pior, porque matava uma pessoa.
A minha casa fica numa praceta, onde eu estava, acho que a ver uns miúdos andar de bicicleta.
Apareceu-me então um rapaz loiro muito bonito, que eu nunca vira. Falámos um bocado, até que ele me convidou a explorar uma casa abandonada que, no meu sonho, ficava no meio da estrada da praceta.
Adoro explorar esses sítios, mas não me atrevo a fazê-lo sozinha. Como quase nunca ninguém se oferece para vir comigo, decidi aproveitar a oportunidade.
Enquanto caminhávamos lado a lado em direcção às ruínas, lembro-me de pensar que não tinha o telemóvel comigo, e que não avisara o irmão que ia à tal casa abandonada. Era perigoso, sentia-o, mas disse para mim mesma que não me ia acontecer nada.
O rapaz abriu a porta e deixou-me entrar primeiro. Ao passar por ele agradeci.
Então ele fechou a porta: fê-lo lentamente e com cuidado, silenciosamente. Mas ficou tudo escuro, e ouvi o mecanismo de uma fechadura funcionar.
Percebi imediatamente que se tratava de uma armadilha, e precipitei-me para outra divisão:
-Não fujas! - sibilou ele, ao ouvir os meus passos no escuro.
Vi então uma porta aberta, por onde entrava a luz do dia. Apesar do medo, contive-me e avancei devagar para ela, sem fazer um som.
-Onde estás? - ouvia-o perguntar num tom trocista, algures na escuridão.
A porta conduzia a uma sala grande, onde já não havia telhado: restava uma trave, apenas. Se conseguisse trepar pelas paredes e alcançá-la, podia gatinhar por cima dela sem que o meu perseguidor me visse, até chegar a uma das paredes. Depois, só teria de saltar para o lado de fora da casa.
Olhei à minha volta e descobri algo por onde podia subir. Consegui, e já tinha atravessado metade da trave quando o rapaz entrou na sala:
-Não vale a pena esconderes-te! - disse ele, perscrutando a divisão. Todavia, não olhou para cima, e eu decidi que tinha de avançar.
Então a trave cedeu sob o meu peso, e partiu-se. Com um grito, eu caí, e através da poeira vi o meu perseguidor avançar para mim, muito direito, com os punhos cerrados.
Palpei o chão à minha volta e descobri uma pedra, que atirei com toda a força à cabeça do rapaz.
Ele gritou e caiu no chão, agarrando a cabeça com ambas as mãos:
-Puta! Vais ver o que te vai acontecer!... - ameaçou ele, enquanto rastejava em direcção a um canto.
Sem hesitar, corri para ele, tornei a agarrar a pedra e bati-lhe várias vezes na cabeça com ela:
-Pára! -suplicou ele, quando começou a aparecer sangue - Pára, vais-me matar!
E eu não sabia o que havia de fazer, se ele me deixaria de facto, ou se me magoaria mais ainda pelo que lhe estava a fazer.
Continuei. Senti o osso desfazer-se, o cabelo doirado dele e as minhas mãos ficaram sujas de sangue.
-Pára, puta! - ordenou o pobre, cada vez mais fraco.
Mas eu não parei. Sempre a chorar, bati-lhe até ele deixar de se mexer e de falar, e eu sentir uma coisa mole sob a pedra.
Então, horrorizada com o que tinha feito, larguei a pedra e saí dali a correr. Atravessei num instante a praceta, sob o Sol da tarde.
Quando cheguei a casa, pálida e a tremer, deparei-me com o meu irmão e a minha mãe na cozinha, ela junto ao fogão, a mexer nas panelas, ele encostado à mesa.
Cumprimentaram-me e falaram comigo normalmente, e eu pensei: "será que não repararam?"
A minha casa fica numa praceta, onde eu estava, acho que a ver uns miúdos andar de bicicleta.
Apareceu-me então um rapaz loiro muito bonito, que eu nunca vira. Falámos um bocado, até que ele me convidou a explorar uma casa abandonada que, no meu sonho, ficava no meio da estrada da praceta.
Adoro explorar esses sítios, mas não me atrevo a fazê-lo sozinha. Como quase nunca ninguém se oferece para vir comigo, decidi aproveitar a oportunidade.
Enquanto caminhávamos lado a lado em direcção às ruínas, lembro-me de pensar que não tinha o telemóvel comigo, e que não avisara o irmão que ia à tal casa abandonada. Era perigoso, sentia-o, mas disse para mim mesma que não me ia acontecer nada.
O rapaz abriu a porta e deixou-me entrar primeiro. Ao passar por ele agradeci.
Então ele fechou a porta: fê-lo lentamente e com cuidado, silenciosamente. Mas ficou tudo escuro, e ouvi o mecanismo de uma fechadura funcionar.
Percebi imediatamente que se tratava de uma armadilha, e precipitei-me para outra divisão:
-Não fujas! - sibilou ele, ao ouvir os meus passos no escuro.
Vi então uma porta aberta, por onde entrava a luz do dia. Apesar do medo, contive-me e avancei devagar para ela, sem fazer um som.
-Onde estás? - ouvia-o perguntar num tom trocista, algures na escuridão.
A porta conduzia a uma sala grande, onde já não havia telhado: restava uma trave, apenas. Se conseguisse trepar pelas paredes e alcançá-la, podia gatinhar por cima dela sem que o meu perseguidor me visse, até chegar a uma das paredes. Depois, só teria de saltar para o lado de fora da casa.
Olhei à minha volta e descobri algo por onde podia subir. Consegui, e já tinha atravessado metade da trave quando o rapaz entrou na sala:
-Não vale a pena esconderes-te! - disse ele, perscrutando a divisão. Todavia, não olhou para cima, e eu decidi que tinha de avançar.
Então a trave cedeu sob o meu peso, e partiu-se. Com um grito, eu caí, e através da poeira vi o meu perseguidor avançar para mim, muito direito, com os punhos cerrados.
Palpei o chão à minha volta e descobri uma pedra, que atirei com toda a força à cabeça do rapaz.
Ele gritou e caiu no chão, agarrando a cabeça com ambas as mãos:
-Puta! Vais ver o que te vai acontecer!... - ameaçou ele, enquanto rastejava em direcção a um canto.
Sem hesitar, corri para ele, tornei a agarrar a pedra e bati-lhe várias vezes na cabeça com ela:
-Pára! -suplicou ele, quando começou a aparecer sangue - Pára, vais-me matar!
E eu não sabia o que havia de fazer, se ele me deixaria de facto, ou se me magoaria mais ainda pelo que lhe estava a fazer.
Continuei. Senti o osso desfazer-se, o cabelo doirado dele e as minhas mãos ficaram sujas de sangue.
-Pára, puta! - ordenou o pobre, cada vez mais fraco.
Mas eu não parei. Sempre a chorar, bati-lhe até ele deixar de se mexer e de falar, e eu sentir uma coisa mole sob a pedra.
Então, horrorizada com o que tinha feito, larguei a pedra e saí dali a correr. Atravessei num instante a praceta, sob o Sol da tarde.
Quando cheguei a casa, pálida e a tremer, deparei-me com o meu irmão e a minha mãe na cozinha, ela junto ao fogão, a mexer nas panelas, ele encostado à mesa.
Cumprimentaram-me e falaram comigo normalmente, e eu pensei: "será que não repararam?"
Eu quero correr quando o Verão chegar
Esta noite sonhei que estava paralisada do pescoço para baixo. No entanto, havia uma cura! Era uma operação arriscada, mas estava disposta a tudo. Lembro-me de dizer ao médico:
-Eu quero correr quando o Verão chegar!
Depois da operação, eu já conseguia por-me de pé e até andar, apesar de muito toscamente.
-Eu quero correr quando o Verão chegar!
Depois da operação, eu já conseguia por-me de pé e até andar, apesar de muito toscamente.
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