quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O Corcunda Coxo e a Cidade dos Perdidos

Não me lembro quando tive este sonho: acho que foi na mesma altura em que estava a trabalhar na PAA.
Era noite, e estava sozinha numa cidade degrada. Estava frio, e quase não havia luzes: onde havia os raros candeeiros irradiavam uma luz amarela, exausta. Os prédios eram todos iguais, com pouco mais de quatro andares, rectangulares como caixas de sapatos, e todos colados uns aos outros. Junto às entradas dos prédios, iluminadas por um brilho semelhante ao dos candeeiros de rua, os sem-abrigo reuniam-se e espreitavam por cima do ombro, com uma expressão desconfiada, para quem passava.
Atrevi-me a entrar num dos prédios. Havia uma escada e um elevador, sendo que este tinha por porta uma daquelas grades que se recolhem para entrar, e que o fazia parecer uma jaula. O elevador podia levar-nos tanto ao subsolo, onde viviam, no meio da terra, famílias de desgraçados, ou ao aos apartamentos.
Eu subi até aos apartamentos.
Para minha surpresa, fui dar a casa dos meus avós, onde estavam reunidas todas as pessoas de que gosto.
Rejubilei ao vê-lo todos de pé, a conversar ao redor de uma mesa, cheia de aperitivos.
Entre os convidados, descobri um rapaz que fôra meu colega do sétimo ao nono ano e que desde então nunca vira, e que me perguntava várias vezes, com um sorriso enorme, se me lembrava de quem ele era; vi um amigo de infância e um jovem louro muito bonito, e o David.
Então alguém pousou a mão no meu ombro, e ao voltar-me deparei-me com um outro rapaz pouco mais velho que eu, de grandes olhos, nariz adunco, bochechas fartas e longos cabelos e barbas negros. Beijou-me na bochecha e disse, com um sotaque brasileiro:
-Tenho de ir, amor.
Tentei detê-lo, mas ele voltou-me as costas e desapareceu. Encolhi os ombros e continuei a conversar.
Alguém me chamou até ao hall de entrada, para atender o telefone. Era alguém que de quem eu sentia muita falta, e que não pudera aparecer. Sentei-me na cadeira ao lado do telefone e deixe-me adormecer, a ouvir aquela voz querida.
Quando acordei, a casa estava vazia.
"Onde foram todos?"
"Porque é que me deixaram aqui?"
"Podiam ter-me acordado..."
"Esqueceram-se de mim?..."
Saí a correr do apartamento, a procurá-los. Corri as ruas sozinha, em silêncio, sem coragem para chamá-los.
Entretanto, vi uma figura bizarra passar por mim: era baixa e larga, bem atarracada, e caminhava curvada sobre dois andarilhos: antes de dar um passo, segurava primeiro um, empurrava-o para a frente, depois agarrava o outro e fazia a mesma coisa. Estava toda coberta por um manto escuro, e, sob o capuz, brilhavam dois pontos amarelos, que eu supus que fossem os seus olhos.
Olhei à minha volta: entre um prédio e a estrada, havia um precipício. Estava rodeado de uma trave, e havia umas escadas apertadas por onde se podia descer. Decidi que se a figura encapuçada avançasse para mim, saltaria.
Preparava-me para continuar a minha busca quando ouvi algo metálico cair. Voltei-me para trás e vi que a figura tinha atirado os andarilhos para o chão, e caminhava na minha direcção, balançando de um lado para os outro a cada passo e com os braços esticados, com as mãos escuras e minúsculas abertas.
Corri para o precipício e atirei-me. Ao voltar-me no ar, vi o perseguidor debruçado sobre a trave, a olhar para mim.
"Agora só tenho de esperar até acordar..." - pensei, enquanto continuava a cair no escuro e a sentir o ar frio passar rapidamente pelo meu corpo.

Sem comentários:

Enviar um comentário