Nestas férias da Páscoa, sonhei certa vez que eu e o Liro tinhamos morto um homem. Nunca vi a nossa vítima, nem no sonho nem na vida, mas sei que era um homem baixo, gordo, meio careca e de pele rosada, que usava uma camisa enfiada por umas calças de pano adentro.
Devia ter sido uma pessoa muito má, porque eu e o Liro estávamos mesmo contentes por tê-lo morto. Mesmo muito, muito satisfeitos.
No Parque das Nações, atirámos o corpo ao Rio Tejo e afastámo-nos, a rir e a falar alegremente do que tínhamos feito, orgulhosos do crime que havíamos cometido.
Não muito longe, estavam alguns armazéns, onde entrámos. Encaminhámo-nos para uma cozinha apertada, de paredes altas com a tinta a estalar, cheia de electrodomésticos velhos, todos ferrugentos.
Num repente, zangámo-nos. Começámos a discutir não sei porquê, e, do nada, as luzes apagaram-se. Não se ouviu um som.
Quando voltei a ver, o Liro tinha desaparecido: a cozinha estava suja de sangue, havia alguma carne picada numa trituradora, e um braço cortado pouco acima do cotovelo no micro-ondas.
Horrorizada, percebi que o Liro estava morto. E, como não havia ninguém por perto, deduzi que fôra eu quem o matara.
-Calma... Calma... - murmurei, enquanto pensava no que devia fazer.
Saí a correr do armazém e fui ter com um grupo de amigos que passeava à beira do rio. Entre eles, distingui Sara. Fui ter com ela e contei-lhe o que acontecera, e, apesar de ser uma grande amiga do Liro, não ficou triste, ou zangada, nem sequer surpreendida.
Disse-me que me ia ajudar a esconder o corpo, e que ia ficar tudo bem.
Regressámos juntas aos armazéns, entrámos na cozinha e deparámo-nos com tudo limpo, sem sinais do cadáver.
Fiquei desesperada: alguém o tinha encontrado. Estava condenada, sem dúvida, não havia nada que pudesse fazer... E agora? Estava tristíssima por ter morto o meu amigo, e a culpa esmagava-me... Sabia que merecia ir presa. Porém, eu não o fizera por querer. Nem sequer me lembrava de nada, era como se tivesse perdido o controlo do meu corpo, e portanto não pudesse escolher matá-lo ou não! Além do mais, lá por eu ir presa, por perder não-sei-quantos anos da minha vida, ele não ia voltar a viver, pois não? Tinha de fugir.
Entretanto, a Sara não perdera a calma, e na sua voz ao mesmo tempo doce, preguiçosa e desinteressada, falava ao telemóvel:
-'Tô? Então, 'tás bom? Tudo bem? Sim, eu também... Olha, é o do costume... Ajudas-me a esconder um corpo?
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